sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Passadeira voadora


Adoro a noite. Basta meu pai colocar a chave na fechadura da porta que eu já estou lá, a postos, miando no escuro para ele me achar. Quase sempre me escondo dentro do sofá-cama. Aí ele chega, coloca a bolsa no balcão da cozinha, atravessa a sala, levanta a cama e lá estou eu, risonho e falante, pedindo para ele me tirar dali. Lógico que sei muito bem sair sozinho. Mas adoro chamar a atenção dele. Livre pela casa, aí eu pinto e bordo. Assumo o controle. E ele fica atrás de mim o tempo todo. Vira e mexe tropeço no pé dele ou o pé dele tropeça em mim. Eu já disse: este apê é pequeno demais para nós dois... E repare que ainda estou em plena fase de crescimento. Depois que ele janta (e eu também), aí é que o circo pega fogo. Acho, aliás, que tenho uma inegável vocação para boêmio. Nada de bebida ... Por enquanto só tomo água e olhe lá. Por enquanto, repito. Mas eu falo isso porque é à noite que eu mais apronto. Viro livros, derrubo cinzeiros, lambo sabonete, me penduro nas cortinas e, acredite, acho que acabo de inventar uma nova modalidade de skate. Em vez de prancha, pego embalo e flano em cima da passadeira que escorrega igual a quiabo sobre o chão de cimento queimado. Outro dia corri tanto que fui dar com o nariz na porta. Bem-feito para mim. Da próxima vez vou ter de calcular direitinho a distância. Ou emprestar os óculos do meu pai para enxergar melhor.

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